quinta-feira, 5 de março de 2015

Caxangá, a vítima

          Meses atrás escrevi: Simpatia. Um texto que tratava de duas situações reais onde um assassino, ao empreender fuga, ficava totalmente desnorteado quando colocavam debaixo da língua da vítima uma moeda de qualquer valor. Este outro fato que narrarei a seguir teve como cenário a Fazenda Bom Sucesso, que tinha por jurisdição policial a cidade de Presidente Epitácio. Outras fazendas vizinhas da época eram a São José e Guaná, hoje pertencentes a Euclides da Cunha Paulista. 

          Já dormia sono profundo quando bateram na porta da guarita, posto policial que ficava próximo da balsa na margem paulista do rio Paranapanema. Era o Zelão, o "gato" responsável por um grupo de peões que realizavam um trabalho braçal naquela fazenda. Montado num cavalo, Zelão segurava às rédeas de outro animal que trouxe para ser utilizado pelo policial florestal para tomar as providências num homicídio que acabara de acontecer. Por determinação do Capitão Gastão, até o policial florestal deveria fazer “clínica geral", enfim, atender todos os tipos de ocorrência na área em que atuava. 


          Por volta das duas horas da madrugada de um dos domingos do ano de 1959, chegaram o gato e o policial num dos galpões da propriedade. O florestal constatou que, por motivos até então desconhecidos, o assassino, que fora identificado como Caxangá, utilizando-se de um golpe certeiro, tinha cravado e, ali mesmo deixado uma enorme faca no peito de outro jovem peão. Perguntado pelo paradeiro do assassino, nove outros peões que ali se encontravam, não souberam declinar o rumo que Caxangá tomara em meio a escuridão do lugar. Por ordem do policial, depois de admoestados, deveriam sair à procura do homicida. Quando o policial aproximou-se do moribundo ouviu de um velho afro-descendente a seguinte frase: - Ele não vai longe não, pode olhar debaixo da língua do morto. Sob a língua da vítima, o policial que já conhecia a “simpatia", constatou uma pequena moeda de mil réis. Já iniciada a captura antes do pôr-do-sol, sabia-se que o facínora vestia uma gandola do Exército, dos tempos em que servira no Tiro de Guerra de Presidente Venceslau, que na época era localizado ao lado onde hoje se encontra o Posto de Saúde. Caxangá e a vítima andavam juntos. Não eram - “flôr que se cheirassem". Acostumados a se embebedar até, tinham aprontado naquela época em Venceslau. Certa vez tinham sido presos em nossa cadeia até curar o efeito da cachaça. 

          O "gato" recebeu a ordem de ir até Venceslau e depois Presidente Epitácio a fim de levar ao conhecimento do delegado o que ocorrera naquele ermo. Já na estrada, um dos peões encontrou-se com o “Chico Arraes “, o administrador da fazenda que em sua montada se dirigia bem cedinho à vila Euclides da Cunha. Ao saber do ocorrido, Arraes deu meia-volta em direção à sede da  fazenda e armou-se de uma carabina passando a ser mais um caçador do perigoso Caxangá. Chico, agora preparado de meios e espírito, rumou novamente em direção à vila. Não muito longe encontrou o homicida, que curiosamente caminhava perdido pela estrada ainda trajando as vestes descritas. 
Imediatamente recebeu ordem de prisão para ser levado ao policial.  Incauto, Arraes até se arriscou ao levar o assassino em sua garupa, embora a carabina estivesse atravessada na sua frente. Preso e entregue ao policial florestal, Caxangá, um jovem nordestino, precisava ser trancafiado. Utilizando-se de uma corrente de ferro que usava na cancela da guarita o policial da então Força Pública imobilizou Caxangá e o conduziu preso até a cadeia de Terra Rica, a primeira cidade do Paraná. Existia uma autorização verbal do Major Raff para que o policial de São Paulo utilizasse o corró do outro Estado. 

           Quando o escrivão Mauá de Epitácio chegou numa viatura tipo jipe, atravessaram o rio e, já na
cadeia de Terra Rica foi logo perguntando ao assassino: 

           - Foi você quem matou o rapaz lá na fazenda? 
Caxangá respondeu: 
           - Fui eu sim senhor, ele foi o terceiro. E o quarto vai ser meu pai quando eu sair da cadeia!!!

( Ari Florentino da Silva – É Presidente da Academia Venceslauense de Letras e Membro da Associação do Novos Escritores do MS)

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